quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A NOSSA AÇÃO depende de si

Ao longo dos últimos 6 meses a API tem mostrado ao que veio: dar voz a quem não a tinha, dar voz às pessoas trans e intersexo. Neste momento, acreditamos que esta voz já existe, e que a API é a sua principal plataforma. A API não é a única organização em campo a trabalhar questões relacionadas com identidade e expressão de género. No entanto queremos fazer mais e melhor que tudo aquilo que pôde até agora ser feito. Por outro lado, somos pioneirxs ao falar sobre caraterísticas sexuais - e ao falar, pela primeira vez, na primeira pessoa sobre questões intersexo. O trabalho tem sido árduo e a nossa AÇÃO constante. Seis meses depois acreditamos que chegou o momento de dar o salto e, para isso, precisamos da vossa ajuda.

A API não surgiu do nada. Tivemos vários anos no forno até ganhar forma. O motivo é simples: não nos chega menos que a excelência. Mas não queremos ser convencidos, queremos antes ser exigentes: a responsabilidade de representar as pessoas trans e intersexo, e de intervir publicamente sobre as suas questões, é muito grande. E não é uma tarefa fácil.
Estamos num ponto de viragem no que diz respeito aos Direitos Humanos e a API, além das questões trans e intersexo, não se esquece o quão diversas são as pessoas que quer representar. O projeto da API sempre foi tornar-se na mais digna representante da diversidade. Chegou o momento de ambicionarmos a formalização da API.

A população trans e intersexo necessita de uma instituição que a acolha, apoie e defenda. Todas as formas de apoio são importantes e, neste momento, para a API se tornar uma associação, necessitamos recolher fundos, de várias formas e em vários sítios - esta será só mais uma delas.

Todos os dias nos chegam pedidos urgentes, para ajudar pessoas que, além de um apoio clínico, precisam de apoio nas suas necessidades mais básicas. Neste momento, não conseguimos corresponder a tudo o que nos é pedido. Depois de muita ponderação, escrevemos este texto. Analisámos os prós e os contras e concluímos que, mais uma vez, valia a pena arriscar.

A plataforma que quer dar voz, só chega a todos se continuar a ser alargada.
Por favor, faça nos chegar o seu donativo.

NIB: 0035.0995.00521689830.41
IBAN: PT50 0035.0995.00521689830.41
(Account holder: Júlia Maria Ferreira Mendes Pereira)

Não podíamos concluir esta mensagem sem agredecer a todxs xs que têm estado connosco ao longo destes meses, a apoiar e ajudar das mais diversas formas. Já somos muitas identidades, em breve seremos muitas mais. Obrigadx!

Cumprimentos identitários,

Santiago & Júlia
Balanço 6 meses

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Intervenção de SANTIAGO D'ALMEIDA FERREIRA


Intervenção de Santiago D'Almeida Ferreira, co-diretor da Ação Pela Identidade, na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"

Hoje, 5 de maio de 2015, apresento-me aqui não só em nome da Ação Pela Identidade, mas também de tudo aquilo que me representa. Toda a minha identidade é feita de sub-identidades e realidades que só a mim me cabe identificar, assumir, aceitar e acima de tudo defender. Estou verdadeiramente cansado de todos e todas que de alguma forma acham que podem perceber ou ter juízos de valor no que caracteriza a minha identidade. Da mesma forma que essas pessoas também têm a sua identidade e ninguém a pode retirar, também as pessoas trans e as pessoas intersexo são comuns. Nós somos comuns. Sem uma doença mental por representarmos a verdadeira diversidade humana. 

É verdade que nós questionamos todos os pilares da sociedade, e por isso mesmo temos que ser ouvidos primeiro, e na primeira pessoa, do que qualquer outro ser. É difícil perceber, largar e entender que a vida das pessoas apenas a elas pertence. E que elas podem falar e têm a sua voz. O que acontece muitas vezes é que pessoas que têm timbres de voz diferente, juntam-se a outras pessoas que têm esse timbre e querem julgar o timbre dos outros.

As pessoas trans e intersexo não são mitos. Não são pessoas sem voz. Não são pessoas sem cara. Elas existem e não podem ser ignoradas. E eu faço a pergunta retórica e, se calhar, um bocado provocadora: não acham que já chega? Não acham que já chega de quererem nos apagar quando fazemos parte da mesma sociedade? Quando nós temos os mesmos deveres, mas nunca os mesmo direitos? 

A interseccionalidade de cada um de nós é uma verdade máxima. Eu não consigo ser intersexo, sem ser homem, sem ser no final um homem intersexo negro. Que sofre racismo e estigma e que sabe que a maioria dos outros humanos vêem em mim uma raridade não normatizada a ser eliminada. Eu não posso ser eliminado por comprovar a diferença, nem na nossa sociedade, nem nas nossas características sexuais. Não posso compatuar com os que não não se apercebem quando é altura de recuar e deixar os próprios serem autodeterminados e livres. Nada disto é poder, nós não somos objetos, monopólios, nem peões. Porquê o medo de deixar que outro ser humano tenha as mesmas possibilidades que eu? Eu não sou tu, nem tu és eu. E esta é a reflexão que eu faço. 

Não é o poder é o empoderar. É o viver numa sociedade onde se dá espaço a cada realidade individual. E a todos os que uma vez na vida não considerarem essa diversidade, não ouvirem as pessoas que querem ser ouvidas, que as empurram para o fim da fila, que assumem coisas, que generalizaram as diferenças pela vossa própria e pela vossa norma, só demonstram egoismo. E eu, descaradamente, continuo a condenar isso. Eu não espero que gostem de todas as minhas palavras, que eu proferi agora, ou até de mim. Mas se continuam a não pensar ou a não respeitar a opressão cega que provocam, justificando-se com a vossa realidade em deterioramento da alheia, têm que parar. É desumano.

sábado, 16 de maio de 2015

Intervenção de DAVID

Intervenção de David na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"

Aviso: este texto incluí menções explicitas a suicídio e violação.


O meu nome é David.

Quando nasci olharam para a minha vagina e disseram 'é menina!'.

Se tivessem dito 'é menino!' estariam igualmente errados.

O meu nome é David e o meu género é fluído. Não sou uma mulher. Não sou um homem. Sou os dois e tudo o que existe fora do binarismo e maior parte das vezes não sou nada em particular. A designá-lo hoje, descreveria o meu género como 'pessoa', reservando para mim apenas o direito de me determinar como bem me apetece a qualquer momento da minha vida, a qualquer hora do dia.

Não sou visto como uma pessoa.

Vivo a minha identidade de género com a plenitude e honestidade que a minha necessidade de segurança permite, e sei, sentindo-o na pele todos os dias, que não sou visto, nem tratado, como um igual pela esmagadora maioria das pessoas.

A minha expressão de género está intrinsicamente ligada à minha apresentação, e quem se cruza comigo no dia-a-dia rapidamente coloca a pessoa que ora tem cabelos longos e vestidos, ora tem cabelo curto e lábios azuis na caixa de 'bicha'. A percepção que têm de mim fica lá organizadinha, com todos os preconceitos e desinformação que 'bicha' carrega.

Ouviu-se muito aqui hoje e bem, 'não estou doente'. Identidades trans não são doença. Mas a vossa transfobia põe-nos doentes. A vossa transfobia ataca a nossa saúde mental diaramente. A vossa transfobia traumatiza. A vossa transfobia mata.

Se vivesse, em vez de sobreviver, num mundo livre de transfobia, livre de machismo, livre de hetero e cisnormatividade, estaria a carregar o peso de uma vida inteira de sintomas graves de depressão e ansiedade?

Se vivesse num mundo que respeita a auto-determinação das pessoas trans, teria a minha abilidade e capacidades comprometidas devido ao desgaste que dar um simples passo fora de casa causa?

Se tivesse crescido num mundo que protege crianças e adolescentes trans em vez de nos destruir, lutaria diaramente contra tendências suicidas?

Tal como sou o único especialista da minha identidade género, sou o único especialista da minha saúde mental, e tenho a certeza que não. Num mundo livre de transfobia, livre de machismo, livre de hetero e cisnormatividade, sei que a minha saúde mental não estaria neste estado.

Não é ser trans que me afecta a saúde mental. É a vossa sistemática desumanização das pessoas trans.

Psicólogos e psiquiatras vi muitos desde os 16 anos. Não tenho qualquer motivo para neles confiar. Uma psiquiatra inquiria sobre as minhas frequentes mudanças de look e patologizava-se. Tomou-as como sintomas de distúrbio bipolar e foi assim que me diagnosticou e para isso que me medicou. Com a medicação errada, fez de mim um morto-vivo. O seu único objectivo era 'normalizar-me'. Realmente não tinha dores. Não sentia nada, a não ser uma pesada vergonha sem nome. Abandonar essa 'profissional de saúde' foi dos actos de auto-cuidado mais radicais e importantes que pratiquei na vida.

Vejo-me agora noutra luta, desta vez com o sistema judicial. Sobrevivi recentemente a uma violação das chamadas 'correctivas'. Confiei em alguém a minha identidade e a minha verdade, e fui violentamente castigado por ser trans (e bisexual. e bicha). Fui caçado no Lisboa Pride 2014 em Junho e violado em Setembro. Depois de 6 meses de terapia, com o prazo para fazer queixa a terminar, fiz os movimentos para iniciar a minha demanda por justiça. Foi-me pedido que apontasse tudo, e assim apontei, descrevi absolutamente tudo o que me conseguia lembrar dos meses de violência emocional que precederam o episódio de violência sexual e física.

Logo na primeira frase da queixa leio que conheci o meu abusador 'numa festa no Terreiro do Paço'. Com essa decisão editorial da minha advogada percebi que a minha única hipótese, imposta pelo sistema, e mesmo assim escassa, de ver o meu violador condenado, é fazendo-me passar por mulher cis hetero. Que foi a 'uma festa no Terreiro do Paço'. Que nunca lhe contou que tem género fluído nem nunca ouviu nem presenciou as suas reacções violentas a isso. Se quiser ver o meu violador condenado por violação, devo fingir ser uma pessoa que não sou, nunca fui, e nunca serei. Terei que limar partes da minha identidade, e apagar outras por completo. Terei que me disfarçar para um grupo de 'especialistas' conservadores decidir em primeiro lugar se fui de facto violado, e pior do que tudo, se mereci ser violado.

Sei que nada disto abona em meu favor num sistema que não quer saber de violações de pessoas cis, quanto mais violações de pessoas trans. Sei exactamente o que me está a ser exigido.

E recuso.

Recuso categoricamente.

O choque passou e vou tomar o processo nas minhas mãos. Não tenho mais medo de contar a minha verdade. Apagar a minha identidade é um preço que recuso pagar pela condenação do meu violador. Se não for condenado serei uma estatística. Mas serei uma estátisica correcta. Ficará escrito em papelada oficial que David 'alegou' (palavra horrível) com toda a força do seu coração que foi vítima de um crime, acima de tudo, transfóbico.

E é por isto tudo e muito mais que repudio palavras que foram aqui ditas como 'esta audição dignifica o Bloco de Esquerda'. Não gosto de salvadores. Nenhuma pessoa cis conhece a minha dor. Não gosto de aliados, que aliado faz parecer que a nossa libertação passa pelo vosso apoio. Não estou aqui para dignificar partido nenhum. Estou aqui por nós, pessoas trans. Estou aqui por mim e por quem amo. Se alguma coisa houver, será cúmplices. E para ser cúmplice da luta trans é preciso fazer muito mais do que ler meia-dúzia de artigos ou tirar mestrado em estudos de género ou pedir muitas desculpas quando se enganam nos nossos pronomes.

Exigimos mais.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Intervenção de MI GUERREIRO

Intervenção de MI GUERREIRO na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"

Sou um jovem FTM ou homem trans. Estou há mais de um ano em Testosterona. Ainda tenho o nome que me foi atribuído à nascença no Cartão de Cidadão e nenhuma cirurgia feita. É difícil explicar às pessoas não-trans* que estão nesta sala, o quão violento e tortuoso é ter de mostrar um nome e um sexo que não é o nosso e a transfobia com que podemos ser confrontados, por esse motivo.

Nunca esperei ver tantas pessoas trans* reunidas num espaço, como as que aqui estão hoje, a discutir uma questão sobre as nossas vidas. 

Dadas as circunstâncias acima mencionadas e a das pessoas presentes nesta audiência, não há nada que eu possa dizer, aqui e agora, que faça jus ao que é necessário dizer neste momento. Assim, nesta intervenção, gostaria apenas de explicar alguns termos e pensamentos que têm surgido internacionalmente em meios e grupos ativistas trans*, da forma mais objetiva possível.. Para que é que isto serve? Primeiramente para deixar, em gravação, uma definição destes termos. Posteriormente, para que toda a gente nesta sala esteja a falar o mais próximo possível da mesma língua e nos possamos compreender melhor. 

Em muitos países, como no Brasil, nos E.U.A., em Inglaterra, em Espanha, na Argentina, no Chile, em França, na Holanda, na Bélgica, na Austrália, entre muitos outros, surge um ativismo trans* específico, com reivindicações diferentes e fortes. Esta ação tem ultrapassado fronteiras, especialmente no que toca à representatividade e aos discursos utilizados. Hoje em dia, podemos ver atrizes e ativistas trans* como a Laverne Cox ou a Janet Mock nos televisores de nossa casa. Hoje em dia, podemos ver homens trans como o americano Aydian Dowling ou o polonês Oliwer em artigos portugueses. Importa, então, perceber o que é que estas pessoas estão a dizer sobre a sua (e a nossa) vida e como o estão a dizer. 

Pedia a toda a gente o máximo de atenção. Os termos que vou apresentar, em seguida, não são estéreis. Eles representam uma outra forma de ver a realidade trans* e uma outra forma das pessoas trans* olharem para si e para o que as rodeia. É uma forma de ter a sua voz ouvida e de se nomearem e explicarem a si mesmas.

Estas ideias foram retiradas de conteúdos pedagógicos que estão a ser distribuídos internacionalmente e amplamente, em grupos ativistas e organizações trans* específicas (como a TGEU ou a TSR, entre outros).

Peço agora que observem os esquemas divulgados no início desta sessão (e que seguem abaixo):



























(fonte: “Transgender Basics”, LGBT Community Center, em Nova Iorque)

Os quatro componentes apresentados nos esquemas acima (sexo, expressão de género, identidade de género e orientação sexual) são independentes entre si. 

Sexo: características anatómicas e/ou cromossómicas que apresentamos quando nascemos. 
Expressão de género: conjunto de atos, expressões ou atividades que são genderizadas pelos outros, mas que também estão relacionadas com a forma de nos expressarmos socialmente. Por exemplo, é associar brincar com bonecas a uma atividade de rapariga, ou ver o rosa como cor de rapariga e o azul como cor de rapaz.
Identidade de género: uma auto perceção do nosso género. O género a que sentimos pertencer ou com o qual nos sentimos identificados. (homem, mulher, não-binário) 

Finalmente, a orientação sexual, refere-se à pessoa pela qual nos sentimos atraídos. A orientação sexual foi adicionada no esquema para demonstrar a diferença e independência entre orientação sexual e identidade de género, que são muitas vezes confundidas. 

O modelo tradicional (à esquerda) é o que é esperado e replicado constantemente. Nele, espera-se que, se um bebé nascer com o que aparenta ser um pénis, ele terá de agir de forma masculina, tem de se sentir homem e deverá sentir-se atraído por mulheres. Por outro lado, caso o bebé aparente nascer com uma vagina, terá de agir de forma feminina, deverá sentir-se mulher e terá de sentir atração por homens. Muitas pessoas não se adequam a esse modelo, como sabemos.

De acordo com a ideia de que devemos adotar um modelo de género mais lato e espectral, o modelo tradicional não se adequa à maioria das pessoas. Passo a citar, “temos duas escolhas: ou mudamos as pessoas ou mudamos o modelo.” (Carrie Davis, Organizadora no LGBT Community Center).
Dado isto, podemos conceber as seguintes definições:

Mulher trans ou mulher transgénero: uma pessoa que foi designada homem à nascença mas que vive e/ou se identifica como mulher.

Homem trans ou homem transgénero: uma pessoa que foi designada mulher à nascença e que vive e/ou se identifica como homem.

Género não-binário: Uma pessoa que não se identifica como homem, nem como mulher, exclusivamente, ou de forma geral.

Atualmente, vários grupos políticos e associações trans* adotaram também termos como “privilégio cis”. O que significa privilégio cis? A ele está subsequente uma lógica de poder que tem sido analisada, tal como foi entre heterossexual e homossexual ou entre pessoa vista como homem e uma pessoa vista como mulher. 

Cisgénero ou Cis: pessoa cujo género designado à nascença é concordante com a identidade de género esperada, segundo o modelo tradicional. Uma pessoa que foi designada mulher à nascença e se sinta mulher é uma pessoa cis. É, portanto, uma pessoa que segue parte do modelo tradicional de género e tem privilégios sociais por ser cis. Assim, as pessoas cis não são discriminadas por ser cis. Têm, por exemplo, a possibilidade de ter um cartão de cidadão que representa a sua identidade ou de ter acesso mais facilitado à habitação, à educação e ao trabalho.

Transgénero ou Trans* : Qualquer pessoa não cisgénero. É um termo abrangente para pessoas que não se conformam ou identificam com as espectativas de género associadas com o sexo que lhes foi designado à nascença. Inclui identidades de género como género fluído, genderqueer, bigénero ou agénero. 

Cissexismo: A crença de que as pessoas cisgénero são inerentemente superiores ou “mais normais” do que as pessoas trans*.

Um exemplo é o facto da maioria das pessoas que se sentaram na mesa desta sala (a da audição) são cis. Enquanto a generalidade das pessoas trans aqui presentes, e são tantas, se sentou atrás delas, sem espaço para se sentarem nas mesas. Não será isto sinal de privilégio cis ou, até, cissexismo?

Transfobia: medo ou receio irracional de pessoas trans* (TSER). Mas também violência institucional, médica e social dirigida a pessoas trans* .

Transmisoginia: Este termo surgiu de Julia Serano (2007) e refere-se à ideia de que a feminilidade e o ser feminino são vistas como inferiores e existem para o benefício do ser masculino e da masculinidade. Permite perceber como a transfobia intensifica a misoginia com que as mulheres trans são confrontadas. 

Para se ter uma visão ainda mais abrangente deste fenómeno, cito Laverne Cox, que escreveu há poucos dias: “A realidade da vida das pessoas trans é sermos alvos de violência. Experimentamos a discriminação de forma desproporcional em relação ao resto da comunidade. A nossa taxa de desemprego é o dobro da média nacional [EUA]; para as pessoas trans negras, essa taxa é 4 vezes mais alta que a média nacional. A taxa de homicídio é a mais alta para as mulheres trans. Se nos focarmos sobre a transição, não chegamos a falar dessas coisas. "

terça-feira, 12 de maio de 2015

DIREITOS HUMANOS E PESSOAS INTERSEXO: UM IMPULSO PARA UM NOVO COMEÇO



A Ação Pela Identidade – API, congratula-se com a publicação, hoje, de dois documentos fundamentais para a defesa dos direitos humanos das pessoas intersexo. O Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muižnieks, publicou um relatório histórico e inovador, sobre direitos humanos e pessoas intersexo. Por sua vez, a Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia publicou, pela primeira vez, um documento sobre a situação das pessoas intersexo na Europa.

O documento da Agência Europeia para os Direitos Humanos (FRA) avança com dados alarmantes. Em comunicado, o diretor interino desta agência da União Europeia (UE), Constantinos Manolopoulos, afirma que "os direitos das pessoas intersexo têm sido amplamente ignorados pelos decisores políticos e legisladores de toda a UE ao longo dos últimos anos", esclarecendo que "o trabalho da FRA aponta para alguns dos desafios mais urgentes que precisam de ser abordados, para que se quebre as barreiras discriminatórias mais persistentes e se alivie o sofrimento desnecessário causado por intervenções médicas".

O documento baseia-se em evidências recolhidas durante a terceira actualização do relatório da FRA sobre discriminação em razão da orientação sexual e identidade de género que, pela primeira vez, cobre a discriminação sofrida pelas pessoas intersexo. O relatório completo, que se baseia em dados recolhidos até meados de 2014 em toda a UE, será publicado ainda este ano. No que toca às pessoas intersexo, o documento hoje publicado, foca-se na obrigatoriedade de registar as crianças intersexo como do sexo masculino ou feminino, e na dificiculdade de alterar posteriormente esse registo, assim como a persistência em efectuar cirurgias corretoras em bebés e na falta geral de proteção contra a discriminação.

Já o Comissário Europeu para os Direitos Humanos, à semelhança do seu antecessor, Thomas Hammarberg – que após a publicação de um relatório semelhante sobre direitos humanos e identidade de género redefiniu globalmente as perspetivas em que se baseava a construção de políticas e legislação relativas às pessoas trans, – Nils Muižnieks avança com um contributo para garantir o reconhecimento das pessoas intersexo, – de uma forma que reafirma inequivocamente os direitos humanos destas pessoas.

São necessários esforços específicos para assegurar que as pessoas intersexo são protegidas contra crimes de ódio. Indivíduos intersexo são vulneráveis ao discurso de ódio e à violência quando revelam a sua condição intersexo e quando o seu comportamento ou aparência não corresponde a noções estereotipadas das normas masculinas e femininas”, afirmou o comissário durante uma conferência decorrida no dia de ontem, onde apresentou o novo documento. As sociedades europeias permanecem em grande parte inconscientes em relação às suas vidas”, alertou, seguindo o mesmo sentido das conclusões da FRA.

O documento, que constitui um estudo aprofundado sobre a situação dos direitos humanos das pessoas intersexo, comparando a situação real enfrentada por estas pessoas na Europa, e as melhores práticas que têm vindo a ser postas em prática ao nível global, traça algumas recomendações que devem ser levadas a cabo pelos estados-membros do Conselho da Europa (incluíndo Portugal).

A suposta dicotomia de género e correspondentes normas médicas resultam numa rotina de intervenções médicas e cirúrgicas sobre as pessoas intersexo, mesmo sem estas serem adequadamente consultadas ou informadas antes de tais procedimentos. O sigilo e a vergonha em torno dos corpos intersexo têm permitido a manutenção de tais práticas, enquanto que as questões de direitos humanos em causa têm permanecido na sua maior parte por abordar”, descreveu o comissário, frisando: “o respeito pelos direitos das crianças é uma das questões centrais”.

Santiago D'Almeida Ferreira, co-diretor da API, assinala o considerável avanço que a publicação destes documentos significa, alertando: “é urgente que as pessoas intersexo sejam reconhecidas pela lei, e que os seus direitos sejam assegurados”. E acrescenta: “Portugal deve tomar medidas como as aconselhadas pelo Comissário europeu e pela FRA, e começar por investigar em que condições vivem as pessoas intersexo no nosso país, assim como legislar no sentido de proibir cirurgias reparadoras e outros tratamentos não consentidos, e implementar medidas efectivas contra a discriminação”.



A Ação Pela Identidade – API é uma organização não-governamental para a defesa e o estudo da diversidade de género e de características sexuais, incluindo a experiência das pessoas trans e intersexo. Partimos de uma perspectiva de igualdade e não-discriminação, abrangendo raça/etnia, sexo/género, situação sócio-económica, deficiência e religião, etc.

Pessoas intersexo são pessoas que não podem ser classificadas de acordo com as normas clínicas dos chamados corpos femininos e masculinos, no que diz respeito ao sexo cromossómico, gonadal ou anatómico. Este último torna-se evidente, por exemplo, nas características sexuais secundárias, tais como a massa muscular, a distribuição de cabelo e estatura, ou nas características sexuais primárias, tais como genitália interior e exterior e/ou estrutura cromossómica e hormonal.

Santiago D'Almeida Ferreira, co-diretor e porta-voz intersexo da API, está disponível para declarações e entrevistas, a partir do e-mail associacaopelaidentidade@gmail.com


O relatório “Human Rights and Intersex people”, publicado pelo Comissário Europeu para os Direitos Humanos está disponível para download em:

O documento da FRA, “The fundamental rights situation of intersex people”, está dispnível para download em:

Intervenção de ALEXANDRE PACHECO

Intervenção de Alexandre Pacheco, representante da rede ex aequo, na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"

Boa tarde a todos. Antes de mais, queria agradecer ao BE por esta iniciativa e também dar os parabéns por trazer não só as questões trans, mas também as questões intersexo aqui para o parlamento. 

Eu chamo-me Alexandre, estou aqui em representação da rede ex aequo - associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e apoiantes. Eu vou saltar a parte relativa à despatologização porque já foi aqui abordada várias vezes, se calhar já estaria a repetir e não tenho interesse em voltar a dizer o que já várias outras pessoas disseram e poderão vir a dizer ainda. 

Portanto, se calhar salto diretamente para aquilo que nos chega, à associação. Casos de jovens trans que nos fazem pedidos de ajuda porque - sendo transexuais, trangénero, como quer que seja que se identifiquem - não sabem o que é que podem fazer, onde é que se podem dirigir, que direitos têm, que opções têm, não fazem a mais pequena ideia do que fazer. Existe uma enorme falta de informação e uma dificuldade enorme no acesso à pouca informação que vai existindo. Muitas vezes, o que vejo descrito, o que esses jovens dizem, é que se dirigem a, por exemplo, médicos de família, psicólogos nas universidades, nas escolas, etc. Mas esses profissionais de saúde não sabem, não estão preparados para lidar com as realidades das pessoas transexuais. Também não sabem para onde é que as podem encaminhar. Posso até falar por experiência própria: eu sou transexual, dirigi-me à minha médica de família, expliquei-lhe a situação e ela não fazia a mais pequena ideia do que fazer comigo. Tive de ser eu a educar a minha médica de família. Existe uma enorme falta de preparação dos profissionais de saúde para lidar connosco. Isso é descrito imensas vezes por imensos jovens que nos chegam às mãos. 

Também existem profissionais de saúde que estão preparados - mais ou menos - que são as pessoas que fazem parte das equipas de sexologia clínica nos vários hospitais. Mas mesmo aí, o que se observa, e o que nos é descrito, é uma enorme falta de coerência e uma falta de resposta no SNS. Falta de coerência, porquê? Nós vemos pessoas a dizer que esperam, que os médicos lhes dizem que têm de esperar vários meses, 6 meses, 1 ano, 2 anos ou o que quer que seja que aquele médico em particular se lembre para poder mudar de nome, iniciar a terapia hormonal, para fazer o que quer que seja que aquela pessoa queira. Parecem não existir umas guidelines fixas entre os vários profissionais de saúde - todas as pessoas descrevem uma coisa diferente, dizem que os médicos lhes dizem que o processo acontece de uma forma diferente.

A falta de resposta também é algo que vejo a acontecer muito recentemente e quase todas as semanas aparece outra pessoa que diz que está há 5, 6, 7, 8, 9 meses em fila de espera no SNS, por exemplo, para uma consulta para fazer as avaliações, para uma consulta de endocrinologia, etc. Fartam-se de esperar, reúnem algum dinheiro e vão para o privado. Portanto, o SNS não está a dar resposta aos utentes transexuais. 

Entretanto, também vejo pessoas a cometer o erro - e digo "erro" porque, pelo o que descrevem, isto costuma acabar mal - de pedir ajuda nas escolas. Vão às escolas, pedem para falar com o diretor de turma, ou com o psicólogo da universidade, ou algo semelhante e, nesses espaços, normalmente também não estão preparados para lidar com os jovens trans. Por vezes não só não estão preparados como eles próprios ainda fazem pior. Também já vi por vezes descrito pessoas que vão ao psicólogo de uma universidade e a sugestão que recebem é "conforma-te com o género que te foi atribuído e depois, quando acabares o curso, talvez possas pensar em iniciar a transição e explorar isso". Portanto, mais uma vez, uma falta de preparação e de conhecimento nas escolas e nas universidades. 

Por falar em escolas, quero também pegar num ponto que já foi levantado pelo GTP, que é a questão da educação sexual nas escolas. Também não sabemos bem como é que está a ser aplicada. Temos quase a certeza que as questões da identidade de género não estão a ser abordadas. sinceramente até espero que não porque os docentes não estão preparados para as abordar. Antes de educar os alunos, convém também educar os professores. 

Isto é, mais ou menos, um resumo das histórias que nos chegam, das realidades que nos chegam. É, certamente, importante discutir a lei e discutir as questões da despatologização e tudo isso que já foi sendo abordado. Mas a questão das identidades trans não é apenas uma questão de identidade, é  uma questão também de vivências, de experiências e de problemas. 

Quero só deixar uma nota: refiro-me apenas às experiências das pessoas trans. Até agora, tanto quanto sei, ainda não houve pessoas intersexo a dirigirem-se à rede ex aequo com estes problemas. Portanto, isto é apenas referente à população trans, não intersexo, uma vez que não temos o conhecimento nem a legitimidade para falar em nome dessa população. 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Intervenção de ALICE CUNHA


Intervenção de Alice Cunha na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"
Em primeiro lugar, gostava de louvar a ordem das intervenções em que falam as pessoas trans primeiro, porque esta audição é para uma lei que é para a nossa saúde, para o nosso bem-estar, para a nossa integração social, para o nosso reconhecimento e dignidade, e é isto que está em causa aqui. Não precisamos que falem por nós.

Não estou doente. Isso subentende uma suposta anomalia de onde derivarão factores negativos para a minha vida. Não estou doente, sou Trans. Não procuro ser curada, mas sim reconhecida (eu e outras pessoas Trans) na nossa diversidade e especificidade.
Mas somos sujeitxs a uma patologização forçada. Quando arranjamos coragem para nos aceitarmos (que é precisa, porque esta sociedade ensina-nos que estamos erradxs, e é árduo o processo de nos consciencializarmos que somos pessoas legitimas sendo quem somos), procuramos acesso ao que precisamos (seja isso reconhecimento legal, hormonas, cirurgias, acompanhamento psicológico). Mas vemo-nos face a profissionais de saúde que ao invés de nos ajudarem a lidar com problemas que advêm da forte discriminação que sofremos, ou nos permitirem o acesso a hormonas e cirurgias, nos mantêm num processo médico prolongado, que às vezes excede o limite legal, para que estes “tenham a certeza” de quem somos. Não se preocupem, porque eu sei quem sou. Posso até citar a API ao dizer: “este é o meu género”.

No que toca às nossas transições, não somxs todxs iguais. Não há caixinha, nem há caixinhas. Obrigam-nos a seguir uma linha pré definida em que “qualquer pessoa Trans será então transexual, quererá então o diagnóstico, quererá então as hormonas, quererá então as cirurgias”. Eu posso dizer que somos pessoas diversas, com necessidades e prioridades diversas. Há quem precise (por motivos sociais, emocionais, laborais) do reconhecimento legal imediato, que o diagnóstico impede. Outras pessoas querem, por exemplo, uma mastectomia sem terem uma necessidade imediata ou sequer uma vontade absoluta de tomar hormonas. Há também uma suposição de que queremos todxs cirurgias genitais.

Isto advém tudo de padrões de género (O que é um homem? O que é uma mulher?). Eles são-nos impostos. Certos genitais não são de certos géneros. Pêlos, roupas e apresentações não são de certos géneros, certas orientações sexuais não são de certos géneros.

O processo a que somos submetidxs quando procuramos a ajuda médica que precisamos muitas vezes obriga-nos a mentir. Isto é muito frequente, isto é muito narrado. Porque sabemos que para acreditarem que alguém é uma mulher, ela terá de querer certas características, terá que ser estritamente heterossexual, etc. E sei de profissionais de saúde que não funcionam com esta lógica antiquada, mas ainda é muito, muito frequente.
Queremos acesso aos serviços de saúde que precisamos e queremos, pela ordem que queremos. Podemos-nos informar, e temos a habilidade de escolher por nós.

Passando a uma pequena lista de propostas mais específicas:
- Quanto ao acesso à alteração legal de nome e género, um simples processo de autodeterminação (que como foi aqui referido, é o que identifica uma pessoa Trans). Eu sou Trans, e como muitas pessoas (e como já foi referido aqui hoje duas vezes) tive de deixar lá em baixo um documento de identificação que não tem o meu nome. E há pessoas que sabem um nome que não é meu, isso é uma violência para comigo. Como me precisaria de submeter a um processo longo do qual tenho muito medo, não mudei o meu nome e género no BI.

- Propunha também o retirar da especificação de género no BI se eu assim decidir não o ter lá.
- Quanto ao acesso às hormonas e às cirurgias, um consentimento informado também é suficiente. E atenção (e não falando por pessoas intersexo), um consentimento informado pressupõe que a pessoa pode consentir, por isso cirurgias à nascença serão certamente ilegais.
- Salvaguardar os nossos direitos de saúde. Porque o acompanhamento psicológico que nós muitas vezes estamos para ter, não o conseguimos. Porque temos alguém que está à nossa frente para nos legitimar ou ilegitimar enquanto pessoas Trans ou não.
- Propunha também a alteração de denominações oficiais de transexual pelo menos para transgénero. Transexual, da minha perspectiva (e de muitas leituras e conversas que tive) acarreta uma carga dx “Transexual tradicional”, a pessoa que quer tudo isto e se calhar até por esta ordem. Essas pessoas também são pessoas transgénero, mas nem todas as pessoas transgénero são transexuais. Este termo será mais abrangente e mais inclusivo para as pessoas Trans.
- Apontava também que embora a lei salvaguarde os nossos direitos de acesso à saúde, como a Júlia referiu à pouco, eles não acontecem hoje em dia. Há muito pouca transparência, e muito poucos esclarecimentos. Eu propunha que, a partir do momento em que o SNS não consegue suportar, neste momento, cirurgias, acompanhamento, etc, este deverá não só forçar-se em especializar profissionais, mas promover alternativas de qualidade e segurança, como por exemplo, idas ao estrangeiro a sítios amplamente acreditados.

Obrigada.

domingo, 10 de maio de 2015

Intervenção de SACHA


Intervenção de Sacha na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"

Boa tarde. Sou o Sacha, trans de 29 anos e Francês. Estou consciente que a lei que está discutida aqui provavelmente não mudará qualquer coisa para mim, mas quero falar porque sei que muitas pessoas trans portuguesas encontram-se numa situação parecida com a minha. Aliás, algumas dessas pessoas estão aqui agora, mas não terão a liberdade de falar de tudo o que queriam por causa da presença de médicos que têm um enorme poder sobre as suas vidas, podendo recusar diagnósticos, receitas ou cirurgias na base de preconceitos.
Tenho uma identidade de gênero não-binária, ou seja genderqueer, nem homem, nem mulher, mas sim bastante masculino. Não preciso de uma avaliação psicológica para saber quem sou, aliás sou o único especialista da minha identidade. Mas a falta de reconhecimento dessa minha identidade pelas autoridades administrativas e médicas trava a minha transição assim como o resto da minha vida. Porque já recuso usar o meu nome de nascença e porque o meu verdadeiro nome, Sacha, não aparece nos meus papéis de identificação, estou proibido de obter um número de contribuinte que me abriria acesso ao trabalho, à habitação e à saúde aqui em Portugal. Essa situação de clandestinidade, que partilho com imensas pessoas trans, faz com que a minha vida esteja bloqueada. Vivemos assim numa grande precariedade institucional, social e económica.
Em relação ao percurso de transição médico, eu recuso submeter-me ao poder de auto-proclamados especialistas que procurarão avaliar o meu « transexualismo » e decidir o melhor « tratamento » para mim. Identifico-me como trans e quero decidir eu próprio o que preciso para ser feliz. As pessoas trans que escolhem passar por um percurso médico têm que seguir um protocolo que demora meses e anos, bastante caro, e muitas vezes sem a liberdade de escolher os seus tratamentos.
Assim encontro-me numa situação de clandestinidade administrativa e médica. Decidi começar a tomar testosterona em breve, na mesma sem pedir a autorização. Estou consciente que falar dessa decisão pode descridibilizar-me mas espero que possam entender as razões. É importante guardar em mente que muitas pessoas trans que seguem um protocolo não dizem toda a verdade e às vezes mentem aos médicos para obter o que precisam para viver dignamente. Um acesso livre à transição administrativa e médica, na base da auto-determinação e do consentimento informado, é necessário para restabelecer uma relação de confiança entre pessoas trans e médicos, diminuindo a relação de poder e melhorando a possibilidade, por parte do pessoal médico, de cuidar verdadeiramente da saúde das pessoas trans. A despatologização é verdadeiramente a única maneira de melhorar esta lei.
Quero acrescentar que a violência institucional, médica, social e económica que acabo de descrever, que é a consequência da transfobia, leva muitas vezes a situações de stress psicológico, à depressão e ao suicídio. Somos uma comunidade extremamente minoritária em número, mas anormalmente exposta a violências e problemas de saúde. As nossas identidades existem, são válidas e não deviam constituir um problema. O problema é que precisamos estar protegidos dessas violências transfóbicas.
Estou, assim como tantas outras pessoas trans, farto de ser um cidadão de 2a classe e de ver a minha vida bloqueada. É urgente, com uma lei despatologizante, resolver as nossas dificuldades.
 
Obrigado.

sábado, 9 de maio de 2015

Intervenção de EDUARDA ALICE SANTOS

Intervenção do Grupo Transexual Portugal, representado por Eduarda Alice Santos, na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"


Por se ter considerado haver necessidade de uma voz transexual própria, independente dos lobbies clínicos e LG, considerou-se necessária a constituição do Grupo Transexual Portugal (GTP).

O GTP, através dos seus elementos e apoiantes considera necessário os seguintes pontos:

Considerando o número de pedidos de alteração de nome e sexo existentes por ano, não vemos que a gratuitidade de tal serviço constitua uma receita que altere significativamente a receita estatal, sendo que a sua gratuitidade pode efectivamente facilitar o acesso a este serviço a quem sofre discriminações laborais e sociais enormes, por isso consideramos imprescindível a sua gratuitidade.

Consideramos urgente a criação de uma lei de identidade de género integral (que não se limite apenas a aspectos legais mas que garanta também o acesso livre aos tratamentos e cirurgias que a pessoa deseje e não os que a classe médica considere que as pessoas devem querer) e despatologizante (a única obrigatoriedade que aceitamos relutantemente será a despistagem de outras possíveis patologias que poderão estar associadas à transexualidade, sendo que para salvaguardar o direito pessoal á autodeterminação, a intervenção psiquiátrica/psicológica deve terminar aqui, salvo nos casos em que a pessoa considere necessária essa ajuda a nível pessoal, como qualquer outro cidadão).

É absolutamente necessário que se adopte uma legislação em tudo semelhante à de Malta relativa ás pessoas intersexuais, em que se considere o uso de cirurgias somente quando a pessoa possa referenciar a sua identidade de género e não logo à nascença como é habitual presentemente, e que garanta a seu tempo o livre acesso a tratamentos e cirurgias que a pessoa deseje.

É necessário acrescentar aos tratamentos/cirurgias o acesso a tratamentos laser de forma a eliminar pilosidade que em muitos casos dificulta enormemente a aceitação social da identidade de género de uma pessoa.

Imprescindível é também a necessidade de uma educação sexual que foque as temáticas da orientação sexual e identidade e expressão de género de modo a iniciar-se uma verdadeira luta contra a discriminação e pela diversidade.

Numa altura em que especialistas não se cansam de focar o quão necessário é uma vida sexual satisfatória para o bem estar psicológico de cada pessoa, torna-se imprescindível que se organizem esforços para que a Ordem dos Médicos altere ou elimine do nº1 do artº 72º do seu Código Deontológico que “a cirurgia não garante a satisfação sexual”, que está a ser usado como desculpa para o uso de técnicas cirúrgicas presentemente ultrapassadas e que garantidamente não originam satisfação sexual, apesar de existirem técnicas muito mais avançadas e desenvolvidas em Portugal, o que traz implicações negativas para o equilíbrio psicológico das pessoas.

A inclusão da identidade de género bem como da expressão de género no artº 13º da Constituição Portuguesa continua a ser necessária de modo a corrigir-se uma discriminação há muito perpetuada.

Há que garantir por lei uma informação actualizada sobre as cirurgias e tratamentos em uso, informação essa que se encontra presentemente a ser sonegada aos utentes.

Reforça-se também a necessidade de ser cada pessoa a decidir a que cirurgias e/ou tratamentos se deseja submeter, e não a classe médica como acontece presentemente, em que se chega a negar as cirurgias desejadas a pessoas que não as desejam todas ou que preferem deixar parte para uma altura posterior. Caso não se garanta, continuará a haver a imposição de cirurgias/tratamentos não desejados.


Grupo Transexual Portugal transexual.portugal@gmail.com

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Intervenção de DUARTE GAIO

Intervenção de Duarte Gaio na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"

“A noção de ajuda, havendo uma relação de poder, está viciada.” - Stéphane

Pessoas trans*, como qualquer pessoa, deviam poder pedir apoio médico e/ou psicológico sem terem de previamente provar e ser testadas durante meses ou anos que precisam desse apoio.

A identidade é nossa, a necessidade de transicionar física e/ou socialmente é nossa, e não faz sentido que exista um policiamento dos nossos corpos através de diagnósticos, “testes de vida real”, avaliações, autorizações e exigências que limitam a liberdade de nos exprimirmos como queremos, sem necessidade de, em cada frase, maneirismo, memória e desejo sejamos forçados a cair no padrão pretendido, de nos apresentarmos legalmente como somos, porque nem esta audição é excepção: várias pessoas aqui presentes foram impedidas de entrar com o seu real nome, por não terem acesso legal ao mesmo e por burocracias que interferem em tantas experiências quotidianas.

“Perturbação de Identidade de género” é uma expressão ultrapassada e substituída por “Disforia de Género”. O problema mantém-se. Não somos doentes mentais mas somos tratados como tal. Porque nos forçam, como aos doentes mentais se faz, a provar que estamos cientes do que dizemos, a provar através de testes que não pedimos, se temos direito a sermos quem afirmamos ser, numa perspectiva distorcida em que outros têm o poder de dizer se temos ou não razão, se estamos enganamos ou não, se sabemos de facto se sabemos quem somos, como se um eventual arrependimento pudesse afectar alguém senão a nós próprios.

Digam-me quem sou. Avaliem se sei quem sou. Autorizem-me a ser percepcionado como quero ser. Discriminem-me resguardados por uma classe profissional que valida a invasão da minha intimidade, corpo, expressão e desejos, numa brutalidade digna de síndrome de Estocolmo, porque preciso de vocês para aceder aos procedimentos e receitas que quero, e em vez de respeitarem as minhas necessidades específicas, obrigam-me a viver consoante um papel de género que desenharam para mim, no qual, como qualquer pessoa, posso não me encaixar.

Queremos viver nos nossos termos, livres de nos identificarmos com o género que for, livres de exprimir esse mesmo género como for, livres de procurar assistência médica, psicológica ou cirúrgica, ou de não o fazermos se não quisermos, porque sujeitar pessoas a normas heterocisnormativas cuja não concordância nos impede de ter acesso a apoios, é tirar-nos a liberdade. De expressão e de identidade. Liberdade.

Reivindico também o direito ao prazer sexual, sendo que muitas das cirurgias genitais a que nos sujeitamos o vêem como secundário em prol de uma estética binária com a qual podemos não estar à vontade, mas á qual não temos alternativa.

Existe uma única equipa médica a concretiza-las, fazendo as cirurgias segundo os seus critérios, os seus desejos, os seus objectivos, que podem ser óptimos para algumas pessoas mas não o ser para outros. E escolher entre fazer certa cirurgia ou não fazer nenhuma não é liberdade de escolha. Escolher implicaria a existência de outra opção, de pelo menos mais uma equipa médica que fizesse cirurgias que a outra não oferece.



Portanto, objectivamente, o que pretendo é:
- Despatologização trans*
- Acesso gratuito a, caso desejado, apoio médico, psicológico, cirúrgico e a tratamento hormonal
- Criação de alternativas relativamente às cirurgias, exigindo escolha quanto aos procedimentos, como aliás temos em todos os outros casos não trans* relacionados.
- Possibilidade de escolher ter ou não o género no Cartão do Cidadão.



Duarte Gaio.
5 de Maio - 2015

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?"


A Ação Pela Identidade - API vai iniciar uma publicação neste blog de vários contributos dados por pessoas trans e intersexo na Audição Pública "Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?", que ocorreu na Assembleia da República no passado dia 5 de maio.

Começamos por publicar as apresentações de slides que serviram de base às intervenções iniciais, feitas por Pablo Vergara e Júlia Mendes Pereira.

Apresentação de Pablo Vergara, ativista do Estado Espanhol (atualmente a residir na Escócia), que esteve envolvido na criação da Lei integral de identidade de género da Andaluzia.

Apresentação de Júlia Mendes Pereira, ativista de Portugal e dirigente nacional do Bloco de Esquerda.

Cumprimentos identitários,

A API,
Santiago e Júlia

quarta-feira, 6 de maio de 2015

UM MOMENTO HISTÓRICO PARA AS PESSOAS TRANS E INTERSEXO

www.


Aconteceu ontem, na Assembleia da República, uma audição pública com o tema “Pessoas trans e intersexo: que reconhecimento e que novos direitos?”, promovida pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. A Ação Pela Identidade – API, que marcou presença na iniciativa, congratula-se com a espetacular afluência de pessoas trans e intersexo a esta iniciativa. As pessoas trans e intersexo mostraram que ninguém as sabe representar melhor para além delas próprias.

Durante cerca de três horas de discussão, moderada pelo deputado José Soeiro, foi possível analisar a diversidade de experiências e identidades trans e intersexo, e pensar em alternativas políticas e legislativas que as reconheçam. O debate contou com as intervenções iniciais de Tamara Adrián (ativista venezuelana e membro do secretariado internacional da ILGA-World), Pablo Vergara (ativista do Estado Espanhol envolvido na discussão da Lei integral de identidade de género da Andaluzia) e Júlia Mendes Pereira (ativista de Portugal, enquanto dirigente do Bloco de Esquerda).

Santiago D'Almeida Ferreira, co-diretor da API, afirma: “Foi um momento histórico para as pessoas trans e intersexo em Portugal. Não porque estas não quisessem ser ouvidas antes, mas pela inexistência de espaços que lhes dêem voz. A audição aconteceu por causa das pessoas trans e intersexo, e este foi um momento que só as dignificou e glorificou”. E acrescenta: “Pela primeira vez, o parlamento português discutiu sobre as pessoas intersexo e a falta de direitos das mesmas na lei. Estas pessoas não são mitos, nem são hermafroditas, isso é biologicamente impossivel. Portanto, está na altura de as ver como seres humanos”.

A Ação pela Identidade apresentou durante a audição o relatório Esta é a minha identidade. Reconhecimento jurídico do género em Portugal. Sobre este documento, Santiago D'Almeida Ferreira esclarece: “é uma dissertação sobre a realidade das pessoas trans e intersexo em Portugal, de forma pormenorizada, que culmina em recomendações concretas e necessárias”. O relatório compara a legislação portuguesa com a legislação de outros países, como Argentina e Malta, e propõe alterações à Lei de identidade de género e ao Código do Registo Civil, além de altertar para a necessidade de leis anti-discriminação.

A API

terça-feira, 17 de março de 2015

Ação Pela Identidade

Este grupo, agora renovado e no activo, vem dar a conhecer a sua nova cara e também o seu novo nome: Ação Pela Identidade - API.
Desde 2011 temos vindo a  percorrer um caminho até à coesão dos nossos ideais e objectivos. Os valores mantêm-se iguais: dar mais voz às pessoas trans e intersexo e permitir que elas próprias se representem. No entanto, não descuramos a interseccionalidade entre discriminações que importam combater. Além da trans- e inter-fobia também enfrentamos: o racismo, a xenofobia, o sexismo e a intolerância às deficiências, à liberdade religiosa e à situação socio-económica.
Hoje a 18 de Março de 2015, (re)lançamos-nos na jornada pública, com uma página renovada, mas ainda em construção no Facebook.
Passem a seguir-nos em Ação Pela Identidade - API.


Aguardem mais novidades.

Cumprimentos Identitários,


Júlia Mendes Pereira e
Santiago D'Almeida Ferreira

segunda-feira, 30 de maio de 2011


FESTA "EU? JÁ SOU CIDADÃ/O!"

Dia 4, a partir das 23h, no Centro LGBT

com o DJ Nuno Galopim!!


Cerca de três meses após a promulgação da Lei de Identidade de Género pelo Presidente da República, chega o momento de comemorarmos tod@s junt@s a conquista de mais e maior cidadania para todas as pessoas transexuais.

Hoje, todas e todos os transexuais em Portugal podem afirmar-se cidadãs e cidadãos! Temos a mais avançada lei para pemitir alterar o nome e o sexo no registo da nascimento de acordo com a identidade de género de cada um, e a primeira sem qualquer exigência atentatória aos Direitos Humanos!

E mais, ao vires comemorar connosco, terás a opurtunidade de contribuir para ajudar a Associção pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo a formalizar-se como associação, e desta forma ajudar as pessoas transexuais a adquirirem ainda mais direitos! E com apenas 3€ (com direito a uma bebida) de entrada!

Vem comemorar connosco a vitória da cidadania!

DEBATE: "Novos Desafios na Identidade Sexual"


Dia 3 de Junho, às 14h na Universidade do Algarve


Oradores:
Prof.ª Alexandra Gomes (FCHS)
Júlia Mendes Pereira (API)
João Pedro Almeida (API)


Organização: NEPsi - Núcleo de Estudantes de Psicologia da Universidade do Algarve

segunda-feira, 9 de maio de 2011


DEBATE: "Os T´s do LGBT"

Dia 10 de Maio

com
Júlia Mendes Pereira - Associação Pela Identidade
João Pedro Almeida - Associação Pela Identidade
José Soeiro - Bloco de Esquerda

Moderação: Cassilda Pascoal - PATH

Local: Foyer TAGV
Hora: 18h

Organização:
PATH - Plataforma Anti-Transfobia e Homofobia

Apoio:
Teatro Académico Gil Vicente

quarta-feira, 16 de março de 2011

COMUNICADO DE IMPRENSA - Que solução para as cirurgias de Reatribuição Sexual em Portugal?

A Associação pela Identidade – Intervenção Transexual e Intersexo vem por este meio, em representação das pessoas transexuais, pronunciar-se relativamente às informações recentemente tornadas públicas sobre a suspensão das intervenções cirúrgicas de Reatribuição Sexual, na sequência da saída do Dr. João Décio Ferreira do Serviço de Cirurgia Plástica do Centro Hospitalar Lisboa Norte / Hospital de Santa Maria.

O Dr. João Décio Ferreira, cirurgião Plástico desde 1975, realiza este tipo de intervenções cirúrgicas desde 2005, tendo desenvolvido técnicas próprias com reconhecimento nacional e internacional. Estas técnicas, ímpares em todo o mundo, encontram-se sem seguidor e o profissional que as criou sem oportunidade de as transmitir a futuras gerações de cirurgiões desta especialidade. Temos conhecimento da sua disponibilidade para continuar a realizar cirurgias de reatribuição sexual e contribuir para a formação de novos profissionais.

Em Portugal, diferentemente das estatísticas internacionais, verifica-se a existência de uma maioria de transexuais de feminino para masculino cujos procedimentos cirúrgicos de Reatribuição Sexual se realizam num ínfimo número de países e cujas técnicas, das mais avançadas, experimentadas e seguras, se realizam no nosso país.

Relembramos que, recentemente, Portugal foi palco e actor de uma mudança legislativa progressista e quase única no mundo, simplificando de forma significativa o reconhecimento legal da mudança de nome e sexo, dando um contributo muito importante para a melhoria das condições de vida das pessoas transexuais e para a afirmação dos princípios de dignidade e igualdade.

Contudo, vários transexuais aguardam pelo início das suas cirurgias, enquanto outros se encontram em fases intermédias do percurso cirúrgico. Todas estas pessoas desconhecem qual o rumo que os seus processos vão seguir.

Neste contexto, solicitámos uma reunião presencial com a Ministra da Saúde, Dra. Ana Jorge, no sentido de indagar e encontrar possíveis soluções para o retomar das intervenções cirúrgicas de Reatribuição Sexual, garantido a mesma qualidade de procedimentos até aqui postos em prática.

Aguardamos neste momento uma resposta, confiantes que as entidades responsáveis tudo farão pela defesa dos direitos humanos das pessoas transexuais.

A Associação pela Identidade – Intervenção Transexual e Intersexo

Lisboa, 15 de Março de 2011


Subscrito por:
Dr. João Décio Ferreira (Cirurgião Plástico)
Prof. Doutor Daniel Sampaio (Psiquiatra, Professor Catedrático da UL)
Dr. Pedro Freitas (Médico, Sexologista clínico)
Dra. Irís Monteiro (Psicóloga clínica, Sexologista clínica)

AMPLOS - Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género
Caleidoscópio LGBT
GRIT - Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade da Associação ILGA Portugal
Opus Gay
rede ex aequo - associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes

terça-feira, 8 de março de 2011

CONVOCATÓRA

A Associação pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo (API) e o Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade da Associação ILGA Portugal (GRIT), vêm por este meio convocar todas as organizações, activistas e interessados, para reunião sobre Transexualidade e comparticipação de cirúrgias no SNS.

Com a recente saída (definitiva) do Dr. João Décio Ferreira do Hospital de Santa Maria, todas as pessoas transexuais que desejam fazer cirurgia de reatribuição sexual, ficaram impossibilitadas de o fazer através do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O Ministério da Saúde recusou-se, até agora, a comentar o assunto, e a Ordem dos Médicos não é conclusiva nas suas afirmações.

Torna-se necessária a intervenção de todos os activistas que se reclamam LGBT e interessados em tal causa, numa acção comum e unificadora, que nos leve a um resultado célere e que satisfaça as necessidades de todas as pessoas transexuais portuguesas que necessitam destas operações.

Convocamos assim todos os interessados para esta reunião, a decorrer no dia 10 de Março (quinta-feira), às 20h30, no Centro LGBT (Rua de São Lázaro, 88, Martim Moniz).

A Associação pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo
e o Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade da Associação ILGA Portugal

terça-feira, 1 de março de 2011

COMUNICADO

A Associação pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo (API) congratula-se com a promulgação (mesmo que forçada) do diploma que altera o Código do Registo Civil, simplificando a alteração de nome e sexo das pessoas transexuais nos seus documentos de identificação, retirando estes processos dos tribunais.

As objecções apontadas pelo Presidente da República não revelam mais que um desconhecimento sobre a situação das pessoas transexuais em Portugal. São argumentos inválidos, quando confrontados com a realidade destas pessoas e não demonstram verdadeira orientação em defender os seus direitos. Continuam por esclarecer que novos especialistas foram ouvidos pelo Presidente, e o motivo por que não foram tidos em conta os pareceres dos especialistas com larga experiência com esta população, além das próprias pessoas transexuais, que foram ouvidas ao longo de todo o processo legislativo - e se mostraram favoráveis ao formato desta lei.

Após a sua entrada em vigor, esta lei que passa a reger o processo de alteração legal do nome e do sexo das pessoas transexuais, irá revelar-se a lei mais célere e respeitadora dos Direitos Humanos a existir na Europa e no Mundo, seguindo os preceitos aconselhados pelo Comissário Europeu para os Direitos Humanos, e expostos pelo mesmo no Issue Paper publicado em 2009. É de referir que o mesmo Comissário tinha, no mesmo ano, expresso directamente ao governo português a necessidade de legislar nesta área.

A API assinala que a questão da identidade de género não diz respeito apenas às pessoas transexuais, e que até mesmo o Presidente da República Portuguesa possui a sua identidade de género, como qualquer cidadão ou cidadã. Por este motivo, o reconhecimento da identidade, e consequente direito à cidadania, de todas as pessoas transexuais mostra-se um assunto do superior interesse do país. Todas as pessoas têm o direito à oportunidade de uma vida digna e de ver respeitada a sua identidade de género.

A Associação pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo

sábado, 19 de fevereiro de 2011


TERTÚLIA: "Reflectir a Memória de Gisberta"

O GRIT - Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade da Associação ILGA Portugal, em parceria com a rede ex aequo - associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes e a Associação pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo, vai realizar, no próximo dia 26 de Fevereiro às 21h00, no Centro LGBT (Rua de S. Lázaro, 88, Lisboa), a tertúlia "Reflectir a Memória de Gisberta".

No dia 22 de Fevereiro completam-se cinco anos sobre a descoberta do corpo de Gisberta Salce Júnior, mulher transexual, brasileira, imigrante, toxicodependente, seropositiva e prostituta, assassinada brutalmente por um grupo adolescentes institucionalizados. Sofreu de agressões, tortura e sevícias sexuais durante três dias, para depois ser atirada para um poço, até sucumbir à morte, afogada.

Um crime que “chocou o país”, que insistia em fechar os olhos às realidades das pessoas transexuais, e às consequências de uma identidade e cidadania não reconhecidas. Apenas cinco anos depois a lei portuguesa reconhece esta lacuna, procedendo à lei que permite às pessoas transexuais alterarem o seu sexo e nome nos documentos de identificação, adequando-os à sua identidade. Falta ainda, no entanto, protecção social e laboral, para que todas estas pessoas tenham a possibilidade de desenvolver as suas vidas com dignidade.

Oradores:
Carla Moleiro (Investigadora e Doutorada em Psicologia Clínica)
Fernanda Câncio (Jornalista)
Joana Almeida (ILGA Portugal)
Júlia Mendes Pereira (Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade e Associação pela Identidade)

Moderação: rede ex aequo